Casarão Agroecológico de Campo Grande RJ
No início do século XX, o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, vivia o desafio de conciliar o crescimento urbano com a necessidade de garantir o abastecimento alimentar da população. Nesse contexto, o poder público voltou seu olhar para as regiões rurais da cidade — Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba, Jacarepaguá e Vargem Grande — conhecidas como Sertão Carioca.
Durante a gestão do prefeito Amaro Cavalcanti (1917–1918), foi concebido o projeto de implantação da Zona Rural do Distrito Federal, com a ambição de transformar as regiões rurais em um verdadeiro celeiro da capital. Para isso, foram criados os Postos Agrícolas Municipais instituídos pelo Decreto n.º 1.183 de 1918, como núcleos de educação técnica, experimentação e assistência aos lavradores.
Cada posto funcionava como um centro de extensão rural, com sede e instrutores agrícolas encarregados de: ensinar técnicas modernas de cultivo e irrigação; distribuir sementes e mudas; combater pragas agrícolas; orientar a criação de animais; e oferecer aulas práticas aos pequenos produtores. Os postos foram instalados em quatro polos principais: Deodoro (Irajá),Taquara,(Jacarepaguá),Campo Grande, e Guaratiba (na Fazenda do Sacco, mais tarde Fazenda Modelo).
Apesar do entusiasmo inicial, o projeto enfrentou escassez de recursos, falta de pessoal e dificuldades logísticas. Ainda assim, lançou as bases de uma política agrária voltada para o pequeno produtor e para o uso racional da terra — um ideal que seria progressivamente abandonado nas décadas seguintes.
A partir dos anos 1940, o quadro rural do Distrito Federal começou a se transformar. O mercado imobiliário descobriu o potencial das terras baratas e bem localizadas do Sertão Carioca, iniciando um processo de expansão urbana e loteamentos. Nesse contexto surge a sede do Posto Agrícola IV atualmente Casarão Agroecológico inserido dentro de um loteamento, até então funcionava na Avenida Cesário de Melo.
Segundo denúncias da época, 70% das terras agricultáveis estavam imobilizadas nas mãos de companhias loteadoras, que aguardavam a valorização para revendê-las. Assim, o território que antes abrigava lavouras de laranja, hortas e pequenas criações começou a ser ocupado por bairros populares e empreendimentos privados.
Os Postos Agrícolas, idealizados como instrumentos de modernização e integração do campo à cidade, acabaram testemunhando o declínio da agricultura carioca. O que antes fora um espaço de ensino e incentivo ao cultivo passou a ser visto como terra disponível para urbanização. A década de 1950 ficou marcada pela chamada “febre imobiliária”, quando 40% dos loteamentos da Zona Oeste foram abertos, especialmente em Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz — exatamente as regiões que haviam sido polos dos postos agrícolas.
Com a diminuição da área cultivável e o aumento da especulação, o número de estabelecimentos rurais caiu 34% entre 1940 e 1950, e os mais atingidos foram posseiros e arrendatários, que não tinham direito formal sobre a terra. Muitos, diante da insegurança, passaram a plantar hortaliças e culturas de ciclo curto, evitando investimentos em plantações permanentes.
A partir da década de 1960, o espaço passou a ser administrado pelo Estado. Nesse período, foi construído um novo pavilhão no terreno, inaugurado em 1967, onde atualmente funciona a EMATER.
O espaço onde funcionava o antigo Posto Agrícola IV e a Cozinha – Escola de Campo Grande, que oferecia cursos e oficinas até ser desativada após um incêndio em 2002, é atualmente conhecido como Casarão Agroecológico. Hoje, o local abriga a Associação dos Agricultores da Feira Agroecológica de Campo Grande, Processadores de Alimentos, Artesãos e Amigos (AAFA), fundada em 2018.
No mesmo terreno funciona a tradicional Feira Agroecológica de Campo Grande, existente há mais de 20 anos e reativada em 2012, que reune cerca de sete feirantes regulares que expõem seus produtos todos os sábados, das 8h às 12h.
Fonte:
SANTOS, Leonardo Soares dos. A implantação da zona rural como um “celeiro da capital”: o exemplo do Rio de Janeiro (1917-1935).
SANTOS, Leonardo Soares dos. A história dos conflitos de terra no Sertão Carioca (1940-1964): aspectos de uma memória camponesa da região.
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