A rua Viúva Dantas em Campo Grande RJ
Citada em verso e prosa por Vinícius de Moraes, a Rua Viúva Dantas, em Campo Grande (RJ), guarda um enigma que intriga moradores e historiadores locais: afinal, quem foi a viúva que deu nome à rua? Em um grupo de rede social, o pesquisador do bairro Will Tom (Facebook) comentou que a viúva seria esposa de um militar. Mas o nome da verdadeira Viúva Dantas segue desconhecido.
Antes de se tornar rua oficial, o trecho que hoje liga a Rua Coronel Agostinho à Avenida Cesário de Melo era apenas um caminho sem saída. Esse trajeto público conectava a antiga Estrada Real (atual Cesário de Melo) à própria Rua Viúva Dantas, à Rua Nova (hoje Aurélio Figueiredo) e à Estrada de Ferro Central, onde existia uma passagem em direção à Rua Campo Grande (atual passagem subterrânea).
O problema começou antes de 1885: o carteiro rural Ataliba incorporou esse caminho público ao seu sítio, tomando-o como se fosse propriedade particular. Dessa forma, a Rua Viúva Dantas transformou-se em um beco sem saída, o que causava grande transtorno à população.
O logradouro foi oficializado apenas em 31 de outubro de 1917, pelo Decreto nº 1.165, recebendo dois prolongamentos posteriores, em 1948 e 1950. A iluminação pública chegou em 1926, mas, apesar de ser uma das mais antigas vias do bairro, a Rua Viúva Dantas ainda não possuía calçamento na década de 1950. O lugar acumulava valas com focos de mosquitos e sofria com infestação de ratos.
Segundo o pesquisador Brasil Gerson, no livro Histórias das Ruas do Rio, o nome é uma homenagem à Viúva Dantas, ligada a duas famílias tradicionais da região — os Cardosos e os Dantas. Ele afirma que a referência seria à viúva vizinha do Sargento-Mor José Cardoso dos Santos, considerado patriarca dos Cardosos espalhados de Campo Grande a Cascadura, e também próxima do capitão José Luís Dantas.
Para compreender melhor quem foi a misteriosa viúva que batiza a Rua Viúva Dantas, é necessário mergulhar na história dessas famílias. Como mostra Manoela da Silva Pedroza, em Engenhocas da Moral, somente a relação entre os Cardosos e os Dantas pode iluminar o verdadeiro nome da mulher que deu origem a uma das ruas mais antigas e tradicionais de Campo Grande.
“Marcos Cardoso dos Santos e sua mulher,Úrsula Martins ,estabeleceram-se na fazenda Cabuçu que compraram em 1748, onde casaram seus dois filhos ( Marcos e José) com duas irmãs ‘de fora’ , em 1765. Os três casais viveram juntos na casa grande até que Marcos filho se mudou para uma porção de terras vizinha da família, onde construiu e passou a administrar um novo engenho de cana, conhecido como do Rio da Prata do Cabuçu a três léguas da Matriz de Campo Grande, como constava no relatório de 1793.
Ao seu lado, o irmão José Cardoso dos Santos, sucessor do pai, sargento-mor, parecia gerir com mão de ferro o patrimônio na porção original de Cabuçu. Os problemas da gerência dos bens da família começaram quando se desfez a sociedade de Marcos filho com a mãe ( viúva em 1777) na administração do novo engenho.
Por outro lado, havia os conflitos com seus vizinhos que começaram: em 1798, Úrsula Martins havia entrado com a primeira ação contra seu vizinho, Bernardo José Dantas, que supostamente lhe usurpava 500 braças de terras nos confins de seu terreno. Em 1802, esse vizinho acusou José Cardoso dos Santos e seus filhos, com a ajuda de dezenas de escravos, de destruírem plantações de cana e madeira cortadas por ele e outros.
Quem teria sido Bernardo José Dantas? Ele aparece pela primeira vez em Campo Grande em um relatório de 1794, como senhor do engenho de Juari — propriedade já mencionada em 1777, mas então pertencente a Vitorino Rodrigues Rosas.
A origem de Dantas é envolta em mistério. Seu nome e o de sua família não aparecem nos registros de casamento e batismo da freguesia, e ele também não deixou processos ou inventário em seu nome. Tudo leva a crer que fosse um recém-chegado, que adquiriu o engenho no final do século XVIII. Entretanto, não demorou a entrar em conflito com os vizinhos. Trinta anos mais tarde, já viúvo, decidiu vender suas terras a um grupo de novos proprietários e deixar a freguesia — decisão que causou grande desgosto a seus quatro filhos.
Em 1828, Dantas vendeu todas as suas propriedades em Campo Grande e desapareceu da região. Seus descendentes, porém, permaneceram enraizados. Os filhos — Maria Teresa, Marcolina, Ana Maria e Luiz José — estabeleceram alianças matrimoniais com herdeiros da Fazenda Cabuçu e com famílias vizinhas, reforçando os vínculos locais. Segundo Pedroza, Luiz José Dantas casou-se com Maria Inácia Paiva (também registrada como Maria Ignacia Paiva), filha de Manoel Cardoso dos Santos Paiva e Maria Teresa de Jesus, e neta do sargento-mor José Cardoso dos Santos. A união entrelaçou definitivamente os destinos dos Dantas com os descendentes da Fazenda Cabuçu.
A partir da década de 1850, Luiz José Dantas já ocupava o posto de capitão e se destacava como um dos principais lavradores de café e mantimentos da região. Mais tarde, também atuou como produtor de aguardente e proprietário rural. Sua atividade econômica se estendeu até a década de 1880, sendo continuada por sua viúva e filhos, ainda mencionados em 1883.
Ao compararmos as árvores genealógicas apresentadas por Pedroza e os registros disponíveis no acervo do Family Search, encontramos algumas divergências quanto aos pais de Maria Inácia. Contudo, em ambas as fontes seu nome coincide — Maria Inácia (ou Ignacia) Paiva — sempre associado ao de seu cônjuge, Luiz José Dantas. Essa concordância nos permite concluir que foi Maria Inácia Paiva, viúva de Luiz José Dantas, a mulher que deu nome à atual rua Viúva Dantas, em Campo Grande.
Outro personagem de destaque no bairro, com laços familiares à viúva, foi o vigário Belisário dos Santos. Segundo Pedroza, Maria Inácia era sua prima em quarto grau, já que ambos descendiam de Marcos Cardoso dos Santos, dizimeiro e senhor das terras da Fazenda Cabuçu.
Assim, a história da rua Viúva Dantas não é apenas a de uma denominação urbana, mas sim o reflexo de um enredo familiar marcado por alianças, disputas e permanências, preservando nos nomes das ruas e na tradição local as marcas de um passado de engenhos, fazendas e relações de poder que moldaram a região.